quinta-feira, 8 de julho de 2010

Pais Maus, de Carlos Hecktheuer

Um dia, quando meus filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, eu hei de lhes dizer: “Eu os amei o suficiente para ter perguntado aonde vão, com quem vão, a que horas regressarão. Eu os amei o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia. Eu os amei o suficiente para fazê-los pagar as balas que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e fazê-los dizer ao dono: 'Nós pegamos isto ontem e queríamos pagar'. Eu os amei o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, por duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que eu teria feito em 15 minutos. Eu os amei o suficiente para deixá-los ver, além do amor que eu sentia por vocês, o desapontamento e também as lágrimas nos meus olhos. Eu os amei o suficiente para deixá-los assumir a responsabilidade de suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração. Mais do que tudo, eu os amei o suficiente para dizer-lhes não, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso (e em momentos até odiaram). Essas eram as mais difíceis batalhas de todas. Estou contente, venci... Porque no final vocês venceram também! E em qualquer dia, quando meus netos forem crescidos o suficiente para entenderem a lógica que motiva os pais e as mães, quando eles lhes perguntarem se seus pais eram maus, vocês vão lhes dizer: ‘Sim, nossos pais eram maus. Eram os pais mais malvados do mundo’. "As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos de comer cereais, ovos, torradas. As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvetes no almoço, e nós tínhamos de comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas. E eles nos obrigavam a jantar à mesa, bem diferente dos outros pais que deixavam seus filhos comerem vendo televisão. Eles insistiam em saber onde estávamos a toda hora (tocava nosso celular de madrugada e “fuçava” nos nossos e-mails). Era quase uma prisão! Eles tinham que saber quem eram nossos amigos e o que nós fazíamos com eles. Insistiam que lhe disséssemos com quem iríamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos. Nós tínhamos vergonha de admitir, mas eles 'violavam as leis do trabalho infantil'. Nós tínhamos de tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruel. Eu acho que eles nem dormiam à noite, pensando em coisas para nos mandar fazer. Eles insistiam sempre conosco para que lhe disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade. E quando éramos adolescentes, eles conseguiam até ler os nossos pensamentos. A nossa vida era mesmo chata! Eles não deixavam os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos; tinham de subir, bater à porta, para eles os conhecerem. Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos de esperar pelo menos os 16 para chegar um pouco mais tarde, e eles levantavam para saber se a festa tinha sido boa (só para ver como estávamos ao voltar). Por causa de nossos pais, nós perdemos imensas experiências na adolescência: Nenhum de nós esteve envolvido com drogas, em roubo, em atos de vandalismo, em violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime. FOI TUDO POR CAUSA DELES! Agora que já somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o nosso melhor para sermos “PAIS MAUS”, como os nossos foram. Eu acho que esse é um dos males do mundo de hoje: não há suficientes pais 'maus'!"

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